quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Os derrotados da Copa.

  Imóveis são demolidos e famílias, obrigadas a deixar suas 

casas para viabilizar as obras que facilitarão acesso à Arena 

Pernambuco.


                                                                                      Foto: Hélia Scheppa/JC Imagem
  Para eles, a Copa já está perdida. Centenas de famílias pernambucanas estão recebendo cartão vermelho e sendo obrigadas a deixar suas casas. À medida que a maior competição esportiva do planeta se aproxima, aumenta o ritmo das obras de acesso à Arena Pernambuco, que receberá cinco jogos da Copa do Mundo, nenhum do Brasil. 

  Imóveis são varridos do mapa. Os moradores reclamam dos baixos valores oferecidos pelo poder público. Os que não entram em acordo enfrentam drama ainda maior: são expulsos do mesmo jeito e sem receber um tostão até que o processo seja concluído. Levantamento da Articulação Nacional dos Comitês Populares (Ancop) revela que, no Brasil inteiro, o número de desalojados chega a 250 mil.

  Silvânio Manoel da Silva, 42 anos, trabalhou a vida toda para erguer uma casa. Botou tijolo em cima de tijolo e conseguiu, há sete anos, ter um teto para chamar de seu, no Loteamento Cosme e Damião, na Várzea, Zona Oeste do Recife. Mas havia a Radial da Copa no meio do caminho, corredor com 6,3 quilômetros de extensão que vai ligar a Avenida Belmiro Correia à BR-408 e à Arena Pernambuco, passando pelo Terminal Integrado (TI) Cosme e Damião e cruzando os municípios de Camaragibe, São Lourenço e Recife. 

  O sonho de Silvânio levou de goleada. O muro está riscado ao meio. Significa que da linha branca até a frente da residência tudo vai abaixo. Até janeiro, só vai sobrar o quintal. É lá, no aperto, que ele vai recolocar tijolo em cima de tijolo para reaver o sonho.

   O governo estadual ofereceu R$ 35 mil. Ele quer mais. Não sabe, porém, se vale a pena comprar a briga judicial. “A gente estava ciente há mais de um ano, mas não faz nem três meses que chegaram e passaram a tinta no muro, avisando que teríamos que sair. Estou tentando ver se aumentam a indenização, mas meu tempo está acabando. É ruim ir para a Justiça porque aí não pagam”, afirma. Oito famílias no entorno já tiveram que sair. A vizinhança, agora, é formada por caminhões, tratores e escavadeiras. “Essa Copa tirou nossa paz”, resume.

  O recomeço soa ainda mais difícil para seu pai, o aposentado Severino Manoel da Silva, 74, que em alguns dias verá a casa espaçosa, de três quartos, virar pó. Severino perdeu a esposa, diabética, dois anos atrás. A vida, desde então, nunca mais foi a mesma. “Como é que eu vou começar tudo de novo sem ela?”, indaga, enquanto dá de comer aos oito gatos.

  A dona de casa Josefa Barros, 60, tinha um sítio com quase 20 árvores, entre mangueiras, bananeiras e jaqueiras. Agora, só tem uma casa sem sombra atrapalhada pelo vaivém dos tratores. O lugar onde ficavam as plantações hoje é Radial e saudade.

   “Aqui parecia interior. Cada um tinha seu sítio, cheio de árvores, uma tranquilidade só. Ficou terrível. Minha casa ficou, mas o resto foi embora”, lamenta ela, há 20 anos no local. A cunhada, cita, está morando de favor enquanto encara a peleja judicial por não ter aceitado a quantia oferecida pela Secretaria-Executiva de Desapropriações, vinculada à Procuradoria-Geral do Estado (PGE).


O drama não se resume apenas aos moradores, mas também aos comerciantes. O mecânico José Henrique Barbosa Neto, 54, mantém uma oficina há três décadas na Avenida Timbi, no Loteamento São Francisco, em Camaragibe. Fidelizou clientes, criou os seis filhos, viu empregados constituírem família. Aí veio a Copa do Mundo e a rua inteira será posta abaixo. A oficina do Zé, o mercadinho, dezenas de casas.

José Henrique e os moradores não aceitam o preço imposto pelo governo e prometem resistir. Um protesto está sendo agendado para a próxima semana. “Eles pagam pouco e ainda botam dificuldade para pagar”, reclama, acrescentando que o vizinho, ao saber das remoções, teve um derrame e morreu.

De acordo com a Secretaria-Executiva de Desapropriações, somente no Loteamento São Francisco serão 77 imóveis desapropriados, dos quais 29 foram resolvidos amigavelmente e 48 estão na Justiça. As retiradas no local custaram R$ 25 milhões. As obras da Copa do Mundo vão gerar 441 desapropriações – 273 imóveis estão no percurso do Ramal Cidade da Copa. 

A secretária Analúcia Cabral teve reunião ontem com sua equipe técnica, mas, até o fechamento desta edição, o balanço atualizado não havia sido fechado. Encontro com moradores está marcado para as 14h desta quarta-feira (11).

Do: JC Online.

Nenhum comentário:

Postar um comentário