Foto: Gilvandro Gurgel/Flickr
Por Ricardo Braga
Quando menino, uma das minhas curtições mais alegres era apanhar
tanajuras, que voavam aos milhares logo que ameaçava a chover, em busca
de acasalar. Vez ou outra eu levava uma mordida braba, que fazia o
sangue escorrer pelo dedo.
A tanajura é a fêmea da formiga saúva,
ou de roça, do gênero Atta. Ao deixarem seus ninhos, saindo por entre
bananeiras e até de frestas da calçada, eram apanhadas por um bando de
crianças e adultos, que não poupavam nem aquelas em voo, sendo
derrubadas com galhos de mato, em uma festa que geralmente antecedia a
noite.
Como era bom juntar centenas delas em uma lata,
arrancando-lhes antes a cabeça e o tórax, só deixando o abdome. Parecia
ruindade de menino perverso, mas malvadeza de criança é aprendizado. O
que queríamos mesmo era a bunda da tanajura, que levávamos ao fogo em
uma panela, derretendo sua
gordura
para deixá-la assadinha. Bastava acrescentar um pouco de sal e estava
pronto. Agora era comer pura, com farinha e, às vezes, tomando café.
Depois
descobri que esse era um hábito muito difundido na zona rural, chegando
ao ponto de serem vendidas na feira a quilo, sendo curtição comê-las
com cerveja ou cachaça, ou ainda usadas como
presente
para amigo do peito. Mais ainda, descobri que os índios já a consumiam
assim e que seu nome em tupi-guarani significa formiga que se come.
Interessante
é saber que aquelas formigas grandes, que pareciam impotentes diante da
nossa sanha, são as mesmas saúvas que devoram plantações, cortando e
transportando as folhas e talos para o ninho debaixo da terra,
enfileiradas como adestrados soldados em campanha, levando cada qual uma
bandeira. Folhas que não são comidas, mas que servem de substrato para
crescimento do fungo que as alimenta.
Tamanha força, garantida
por 100 milhões de anos de seleção natural, tornou o agricultor tão
vulnerável que o naturalista francês Auguste Saint-Hilaire disse que ou o
Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil. Praga de tanta
força que levou a métodos de controle com formicidas, muitos deles
mortais não só para as formigas.
Observando pelo lado do
controle natural, tem-se que andorinhas, sabiás e tatus vivem atrás
desses insetos para comê-los, reduzindo suas populações. E o que
fazíamos como crianças, se não isso? Depois de adulto, descobri que, ao
nosso modo, praticávamos o controle biológico de populações de pragas de
formigas!
Por isso hoje, ao ver crianças pulando de um pé só,
levando mordida sem deixar de sorrir ao apanhar tanajuras, concluo que
empregam método menos radical do que os científicos laboratórios de
pesticidas. Elas só não cantam mais o nosso mantra: Cai cai tanajura,
tua bunda tem gordura.
Perfil
RICARDO BRAGA é ambientalista, professor da UFPE e ex-secretário executivo de Meio Ambiente de Pernambuco.
E-mail: ricardobraga.jc@gmail.com
fonte: ne10.