domingo, 6 de outubro de 2013

Câmara de Igarassu resgasta a história enquanto se adequa a Lei da Transparência.



  A decisão de cumprir a Lei de Acesso à Informação tem levado uma das casas  legislativas mais antigas do Brasil a preservar o passado. Desde o início do ano, a Câmara de Vereadores de Igarassu trabalha para catalogar e digitalizar todos os documentos relacionados à administração pública da cidade. Um baú de história começa a ser aberto com papéis amarelados que levam ao século 16. “Implantamos o SAPL (Sistema de Apoio ao Processo Legislativo) este ano e tudo o que produzimos hoje é lançado, automaticamente, na rede. Mas modernidade não é desculpa para esquecer o passado”, disse o presidente da Câmara, vereador Ademar de Barros (PDT).

 O processo foi dividido por etapas e, neste primeiro momento, livros de leis, atas, transcrições e documentos semelhantes têm sido limpos e organizados por grupos, de acordo com datas. Tal missão coube à bibliotecária Izabela Nóbrega e ao atual guardião do arquivo, Everaldo Félix, um servidor com 28 anos de Casa. O livro mais antigo sobre o qual eles se debruçaram até agora data de 1928. É uma coletânea de atas, cujo primeiro registro é o detalhamento orçamentário da prefeitura naquele ano. “Ainda vamos abrir muitos outros, ver coisas mais antigas. É um trabalho demorado, mas importante porque resgata a história não apenas de Igarassu, mas de várias cidades que antes faziam parte da nossa”, acrescentou a bibliotecária.

  Ela cita como exemplos Araçoiaba, Itapissuma e Itamaracá. “Tenho aqui uma lei de 1938 delimitando os perímetros urbanos e suburbanos dessas três localidades, na época em que Itamaracá ainda era Vila Pilar, e Araçoiaba, Chã de Estevan”, citou Izabela Nóbrega. Outro papel encontrado é a autorização para se contratar colocação de luz elétrica na mesma Vila Pilar. Esse de 24 de abril de 1930. No século 18, Igarassu compreendia terras que hoje correspondem a vários municípios pernambucanos, entre eles Limoeiro e Taquaritinga do Norte. A expectativa é encontrar, também, informações referentes a eles.

Câmara de Igarassu é uma das mais antigas Casas legislativas do Brasil (Julio Jacobina/DP/D.A.Press )
Câmara de Igarassu é uma das mais antigas Casas legislativas do Brasil

  Documentos que trazem aspectos curiosos de Igarassu, como o decreto que restitui a Santo Antônio o título de vereador perpétuo da cidade, em 1951, honraria concedida pelo rei de Portugal Dom João I, em 1754, estão na fila para serem digitalizados. “O mais importante desse trabalho é que ele poupa essa documentação de se deteriorar, inclusive com manuseios sem cuidado e idas e vindas que possam ocorrer na Câmara. Depois desse resgate, poderemos encontrar coisas mais pitorescas e importantes, a partir de leituras com calma”, ressaltou o historiador do município, professor Jorge Barreto.

  Ele comenta que as leis mais antigas da freguesia dos Santos Cosme e Damião, como era conhecida Igarassu em seus primeiros anos de vida, estão arquivadas no museu da cidade. São escritos do 2º Livro de Tombos da Vila de Igarassu, do ano de 1782. São os primeiros documentos da localidade, que este ano completou 478 anos no dia 27 de setembro. “Foram transcritos nesses papéis outros livros e documentos ainda mais antigos que, à época, estavam em situações mais precárias”, explicou Barreto. Um dos principais registros dele são as delimitações urbanas, normatizações e planos diretores do século 17. A digitalização dos arquivos do museu, assim como os que estão na prefeitura, está prevista para ser feita pela Câmara, assim que todos os papéis da Casa Legislativa estiverem na rede.


Reivindicações de hoje são as mesmas de 200 anos atrás


Historiador diz que cobranças por mais verbas no legislativo é antiga (Julio Jacobina/DP/D.A.Press )
Historiador diz que cobranças por mais verbas no legislativo é antiga

  As reclamações sobre diminuição nos repasses para o Legislativo de Igarassu poderiam ser uma notícia de hoje, não fosse a data no topo das páginas que remete há mais de duzentos anos. “Há documentos com vereadores se queixando da queda nos recursos da Câmara desde século 18. Muito desses cortes ocorreram por causa das emancipações. Igarassu abrangia grande parte das terras da Zona da Mata Norte”, contou o historiador Jorge Barreto. Na época, a Casa tinha sete vereadores, praticamente todos senhores de engenho. Atualmente conta com 14, incluindo o Santo Antônio, que tem mandato perpétuo.

  O professor comenta que essa falta de verba pesa quando se fala na preservação das casas legislativas, “um problema que se repete na maioria dos prédios públicos sejam onde forem”. Na Câmara de Igarassu, por exemplo, até o início deste ano, todos os documentos, inclusive os mais antigos, eram guardados em caixas, sendo muitos papéis presos com grampos de ferro, em local abafado. “Este ano consegui climatizar o arquivo. Não foi fácil porque é um prédio tombado, tem uma série de regras”, comentou, orgulhoso, o presidente da Câmara, Ademar de Barros (PDT). 

 Porém, em se tratando de um município de 478 anos, um dos maiores obstáculos para o resgate dos documentos administrativos está em um passado marcado por dois desastres. “Em 1632, os holandeses incendiaram a cidade e muito do que estava na Câmara se perdeu. Depois, em 1950, teve uma grande enchente e a Casa Legislativa funcionava na parte baixa da cidade, ficando completamente inundada”, relatou Barreto. 

 Ele afirma que, no último episódio, grande parte do acervo só pôde ser salva porque o avô dele, Guilherme Jorge Paes Barreto, que também foi vereador na década de 1950, costumava guardar cópias de tudo o que se produzia em termos de leis. “Quando Ademar (de Barros) presidiu a Câmara em 1996, ele me pediu para fazer cópias dessas cópias do meu avô e elas foram devolvidas ao Legislativo”, completou.

 Alguns documentos encontrados
 (Julio Jacobina/DP/D.A.Press)

- Livro de Beneficência do Município de Igarassu com nomeações e doações iniciado em 4 de outubro de 1942.

- Reclamação sobre má qualidade do transporte público na cidade feita por um vereador em plenário no ano de 1962. Eram reportados atraso nos ônibus, falta de transporte após às 22h e superlotação (venda de mais passagens do que cadeiras presente no ônibus).

- Lei proibindo construção de telhados de palha ou capim no perímetro urbano e principais avenidas da cidade, vilas e povoados. “Somente em caso de notória pobreza com atestado da polícia, concederá prorrogação do prazo que não excederá seis meses”. Multa de Cr$ 100,00. O texto é de 7 de março de 1951.

- Documento escrito em  12 de maio de 1938, delimitando as zonas urbanas e suburbanas de Igarassu, Itapissuma, Chan de Estevan (Araçoiaba) e Vila do Pilar (Itamaracá). 

- Decreto reincidido contrato para colocação de iluminação elétrica na Vila do Pilar (Itamaracá) em abril de 1930.

- Decreto de 1 de novembro de 1951 restituindo a honraria do título de vereador a perpétuo a Santo Antônio, colocação da imagem dele no plenário e subsídio anual de Cr$ 500 destinado ao Pão dos Pobres (distribuído anualmente no convento de Santo Antônio).

Do: Pernambuco.com.

O descaso tem vista para o mar.

  Chegada do verão expõe novos e velhos problemas da costa 

pernambucana.


   O mar azul e de águas quentes, a areia branca e os altos coqueiros não compõem sozinhos o cenário dos 187 km de extensão da costa pernambucana. A natureza privilegiada divide o palmo de terra com desordem urbana, lixo, obras inacabadas, estradas esburacadas, esgoto a céu aberto, falta d’água, insegurança e ausência de fiscalização. Ao longo dos últimos dias, visitamos as principais praias do Estado. O passeio rendeu uma certeza: os turistas e veranistas que procurarem esses destinos turísticos no verão encontrarão algo além do paraíso. Problemas que se repetem ano após ano e que dão as caras no abandonado Litoral Norte e no badalado Litoral Sul.

  Menina dos olhos do governo, estimulado pelo Complexo Industrial Portuário de Suape e palco do pedágio do Paiva, acesso irretocável ao eldorado litorâneo que abriga supercasas e câmeras de segurança, o Litoral Sul está longe de ser só flores.

  Enquanto a nova rota, com uma ponte de 320 metros e uma via de 6,2 km, é capaz de reduzir o trajeto a Suape e arredores em até 17 km, a PE-60 é caminho certo de dor de cabeça. Quase sempre engarrafada, com longos congestionamentos nos horários de pico e em finais de semana e feriados, a estrada sofre com os buracos.


  As praias do Cabo de Santo Agostinho são o primeiro ponto de parada. E de transtornos. O turista mais desavisado pode se embaralhar na ida a Gaibu, uma vez que duas placas indicativas estavam tortas, impedindo a visão dos motoristas. A PE-28 é margeada por um canal com esgoto a céu aberto, sem nenhuma mureta de proteção. Veículos costumam cair no local, sobretudo ao tentar desviar das crateras na pista, que em alguns trechos vira barro puro. O comércio irregular invade as ruas e calçadas centrais.

  Ao chegar à praia, a beleza do encontro das falésias com o mar de Gaibu contrasta com o descaso: orelhão quebrado, calçadas arrancadas, bancos destruídos e lixo espalhado. “É muito problema de infraestrutura e, para completar, não tem um banheiro público. O pessoal tem que ir nas pousadas ou fazer no mar mesmo”, diz o comerciante Valdir Reis, 64 anos. Na areia, uma multidão se amontoa ao redor do corpo de um rapaz de São Joaquim do Monte, no Agreste, que morrera afogado. Nenhum bombeiro foi visto.

  Em Enseada dos Corais, as vias são precárias. Mesmo na estação mais quente do ano, as chuvas escassas são capazes de produzir estrago. Poças gigantes de lama tomam as ruas de barro, ilhando casas, fechando passagens e sendo foco de doenças.

  Itapuama é lixo por toda parte. Nem mesmo a presença de reservatórios de coleta seletiva dá jeito na falta de educação dos banhistas. A favelização é crescente lá e em outras praias do Litoral Sul. “Está cheio de invasão aqui. E também falta saneamento”, reclama o bodyboarder Helmiton Paiva, 31. Um canal jorra água poluída no mar, e motoristas estacionam seus carros nas calçadas.

 O que mais preocupa nas praias do Cabo, no entanto, é a violência. O crescimento desordenado e a demanda proveniente dos quase 50 mil trabalhadores envolvidos em Suape fizeram a insegurança emergir. “Outro dia, eu estava caminhando às 5h e levaram meu relógio e telefone celular. Soube depois que o mesmo grupo tinha feito um arrastão numa pousada”, conta o microempresário Nicodemos Silva, 44, morador de Gaibu. Os roubos a casas de veraneio são comuns. Algumas vezes, até com reféns.

  Reputada como principal praia do Estado, Porto de Galinhas, em Ipojuca, encanta e convida pelas piscinas naturais com águas cristalinas e diversificada rede hoteleira. Mas os problemas são muitos. Porto parece estar eternamente em obras. Há sempre ruas interditadas, entulhos e desvios pela vila, o que complica a vida dos turistas.

  A Rua Recanto, com muito barro e paralelepípedos arrancados, está quase intransitável. Na via que vai dar na Praça do Relógio, uma placa avisa: “Desculpem-nos os transtornos. Estamos em obras”. Poucos metros adiante, outro cartaz: “Proibido jogar lixo”. A sujeira acumulada dava o tom do desrespeito.

 Os problemas persistem na beira-mar e na faixa de areia. Os banheiros públicos situados perto do antigo posto médico se encontram em estado deplorável. A grade, enferrujada e solta, está amarrada por um pedaço de saco plástico e ameaça cair. Uma das portas de madeira está carcomida quase pela metade, oferecendo privacidade zero. Além disso, falta água nas torneiras e na descarga. Funcionários precisam ficar de plantão com baldes para evitar o mau cheiro. “É o paraíso, a praia mais linda do Brasil, mas a infraestrutura ainda deixa a desejar”, afirma o vendedor Severino Dias, 52.

 Defronte dali, uma placa de atenção está arrancada. Bem perto, jovens jogam futebol na areia, ignorando outra placa que proíbe a prática de esportes. A poluição sonora, com o vaivém de carrinhos vendendo CDs piratas, é problema constante.

 Maracaípe vivencia a proliferação de favelas. Os casebres formaram uma extensa comunidade com ruas estreitas de barro, sem acesso ao mar, e com alguns barracos invadindo até áreas de manguezal. A estrada para o pontal foi destruída por conta do avanço do mar, obrigando os veículos a estacionar no meio do caminho, alguns em área proibida, numa rota repleta de lixo e entulhos.

ABANDONO - No Litoral Norte, o abandono toma banho de mar. Sem o mesmo marketing e incentivo das praias do Litoral Sul, a beleza natural de Itamaracá e municípios da região convive com uma série de problemas. Em Jaguaribe, o maior dos absurdos: a faixa de areia está repleta de invasões. De estabelecimentos comerciais a barracos de veraneio, sob a passividade do poder público.

   A favelização da beira-mar revolta os moradores. Hoje, a janela já não oferta mais a visão privilegiada de anos atrás. Os casebres, uns de madeira, outros de alvenaria, são obstáculos que crescem a cada dia. “Isso é tudo irregular. É a favela de Itamaracá. E nem tudo é casa de pescador, viu? Muitas dessas invasões são casas de veraneio, que passam de mão em mão. Jaguaribe está uma nojeira”, esbravejou um morador. 

  A reportagem flagrou carros de luxo e motos circulando pela areia sem qualquer fiscalização. Cavalos são tangidos no local. Estacionamentos obstruídos, bancos quebrados e um calçadão com as pedras portuguesas dilaceradas completam o cenário. “Itamaracá é uma praia esquecida. Tem muita coisa para melhorar, mas o governo só investe no Litoral Sul”, critica a comerciante Rosa Soledade, 52 anos, que também se queixa dos assaltos, sobretudo à noite.

  O Pilar também convive com a ocupação desordenada. O esgoto a céu aberto é lançado no mar onde crianças se banham indiscriminadamente. “Isso está assim faz muito tempo. Ninguém resolve”, diz o pedreiro Sinésio Manoel do Nascimento, 63. O homem conta que, quando escurece, o tráfico e o consumo de drogas correm soltos. Terrenos baldios viram depósitos de lixo. O Forte Orange reabriu as portas em novembro do ano passado e deu mais vida à Praia do Forte, a mais ordenada de Itamaracá. Os repentistas Boca do Norte e Geraldo João, contudo, lamentam a falta de turistas.

Do: JC Online.

Entre o lixo das ruas e a vida pública.


  Gilmar Monteiro, o Índio do Manguzá, exerce a profissão de gari em Pedra de Fogo e também é vereador em Itambé.

 (Benda Souto Maior/DP/D.A.Press)
   
  O gari Gilmar Monteiro da Silva, 37 anos, acorda quando o céu ainda está escuro e frio, toma um copo de água, come um pedaço de cuscuz e veste um uniforme amarelo e azul para a labuta. Às 5h30, com os raios de sol ainda tímidos, ele já está em Pedra de Fogo, município do interior da Paraíba, pronto para limpar a sujeira nas ruas deixada por outros. Porém uma vez por semana, nas quartas-feiras à noite, o guarda-roupa de Gilmar muda radicalmente. 
   Por volta das 18h30, ele veste um paletó preto que comprou no início deste ano e vai para a sessão da Câmara Municipal de Itambé, na Mata Norte de Pernambuco, onde exerce o mandato de vereador pela primeira vez. Conhecido como Índio do Manguzá, Gilmar tem duas vidas entre as cidades irmãs de Pernambuco e Paraíba. E em ambas, ele quebra rótulos e preconceitos. Num país de tantos funcionários fantasmas, ele se divide em dois para trabalhar e defende mudanças para a política de Itambé na mesma velocidade que tenta varrer as ruas de Pedra de Fogo. 
   Essa não é uma história comum de ascensão social. É a de um homem que é gari, apesar de ser vereador, e conseguiu ser exceção à tese de invisibilidade pública apresentada pelo psicólogo social Fernando Braga, em 2008, na Universidade de São Paulo. Se a tese apontava a facilidade das pessoas que não têm qualificação técnica ou acadêmica de ficarem invisíveis, Índio do Manguzá, como gosta de ser chamado, não faz parte dela. Está fora dos padrões.


   O vereador-gari nunca teve uma vida fácil. Até os 17 anos, morava em Pedra de Fogo e trabalhava com o pai, José Monteiro da Silva, falecido no ano passado. Foi agricultor, pintor, cortador de cana e tantas coisas mais que perde as contas. Fazia qualquer biscate que pudesse trazer comida para casa e ajudar a alimentar os irmãos, nove ao todo. Chegava a passar de 15 a 20 dias com o pai, seu maior exemplo de vida, nas plantações da mata de Salamago e do Rio. 

   O trabalho árduo, contudo, nem sempre foi suficiente. Para sobreviver, como tantos Silvas nesse Brasil, sentiu-se muitas vezes excluído e humilhado por dormir em cama de vara e passar fome. Índio perdeu quase todos os dentes comendo farinha com mel, mas conseguiu um corpo robusto e forte, pronto para a dureza da vida. Esse alimento básico, recebido na escola, principalmente, o ajudou a concluir o ensino fundamental. 


    Inspirado nos conselhos do pai, a vida melhorou quando Índio começou a dar um sentido a sua dor, a dividir o pouco que tinha cada vez mais. Em 2004, com apoio de amigos em Itambé, iniciou um trabalho social, distribuindo munguzá aos sábados na comunidade do Maracujá, onde mora até hoje. Dois anos depois, Índio passou num concurso público de gari, em Pedra de Fogo, com uma nota de 7,5, e começou a ganhar cerca de R$ 1 mil. O dinheiro não se multiplicou porque ele sempre procurou ajudar os vizinhos. Mas os amigos sim, estes cresceram.

 (Blenda Souto Maior)

   “Minha situação foi diferente daquele (psicólogo) que disse que o gari era invisível. O gari ou qualquer outra pessoa, só é invisível quando é egoísta. Só é invisível quando olha para si próprio. O fator diferencial da minha história é o seguinte: ‘se eu tiver um pacote de fubá, eu vou dividir com aquele que está passando necessidade’”, afirmou, com os olhos vermelhos e marejados.


    A preocupação com o outro levou o gari a tentar um mandato político em 2012. O estopim teria sido quando ele estava numa das comunidades de Itambé, viu crianças comendo barro e, pouco depois, encontrou uma família que não se alimentava desde o início da manhã. “A comunidade que eu ajudava dizia: ‘Índio, sai candidato. Você sem ter nada faz, imagine se for vereador’”, lembrou, reproduzindo as palavras de uma conhecida. Tais palavras foram sendo trabalhadas com um conselho aqui, outro acolá e resultaram numa vitória nas urnas de Itambé com 789 votos. Ele foi o sexto mais votado do município e tem muitas histórias para contar.  


A família, as doações e as dívidas

   Índio Manguzá não se rendeu ao jeito de sobreviver tão criticado pela escritora Lya Luf. Aquele que evita comer o lixo concreto, mas engole o lixo moral, fingindo que está tudo bem. Casado há 15 anos com a mesma mulher, Fernanda Maria da Conceição, 36, o gari que é vereador nunca se acomodou com o lixo moral. Ainda tem vergonha da pobreza que vive com a esposa e quatro filhos, mas tem juntado o salário de vereador, cerca de R$ 3 mil, com o de gari, aproximadamente R$ 1 mil, para ajudar à comunidade e, vez ou outra, comprar um móvel para a casa, um lugar muito humilde.

   Os adversários e aliados dizem que ele está mergulhado em dívidas, porque comprou um carro, um Strada cinza, ano 2010, e tem feito muitas festas para a comunidade, o que não seria papel do vereador. No Dia das Mães, por exemplo, Índio encomendou um bolo de 30 quilos e deu vários tipos de presentes às mulheres do bairro do Maracujá. Antes, já tinha doado 52 kits escolares e comprado 600 ovos de páscoa para as crianças, além de levar e trazer moradores de Itambé para hospitais do Recife ou de João Pessoa.



   Apesar dos gastos vistos como excêntricos, a vida social de Índio ainda contrasta com a vida pessoal. A residência dele tem dois quartos sem portas, paredes verde e rosa gastas, móveis esmaecidos. Os quartos mal iluminados são isolados de uma pequena cozinha por lençóis coloridos e o guarda-roupa onde pendura o paletó está com a porta quebrada. 

  Na sala, os dois filhos menores dormem num beliche, separados do sofá com uma cortina vermelha. “Eu nunca vi um vereador fazer o que ele fez”, conta a mãe, Maria Ivete Marcolino, 66 anos. “Reclamam tanto que ele comprou esse carro, mas ele vive levando as pessoas para o hospital”, protesta. 


   Para contestar as queixas de assistencialismo, Índio diz que também fiscaliza o poder público, sua verdadeira função. Conta que reclama quando não vê as obras prontas e já vem recebendo crítica dos aliados por tantas cobranças. “Eu também sou fiscal e tenho projetos aprovados. Não ajudo as pessoas de agora. Isso ninguém pode falar de mim”, arrematou, com a voz embargada.


A câmara e as ruas





   “Eu vou entrar para a história política desse país como varredor de rua, como primário… Eu me orgulho porque respeito o ser humano. Isso não tem preço. Com ou sem paletó, a roupa não importa ”, Índio do Manguzá 

   “É muito bom que ele tenha se elegido porque ainda existe muito preconceito em relação aos garis, mas isso está mudando. É uma vitória”, Elço Pereira, chefe de divisão de limpeza urbana de Pedra de Fogo

    É visível o preconceito que Índio do Manguzá ainda sofre entre os colegas de Câmara, 11 ao todo, contando com ele. Especialmente pelo fato de ele ainda trabalhar como gari em Pedra de Fogo. “Ele só vai ter esse mandato, porque ninguém aguenta ficar nessa rotina”, disse um vereador, pedindo reserva no nome. Já o presidente da Câmara, Edvaldo do Caricé (PSB), procurou amenizar.

   “Ele tem vontade de acertar, mas, muitas vezes, é precipitado. Muitas vezes quer dar um passo maior que as pernas. Muitas vezes, ele chega aqui brabo, querendo resolver as coisas, mas não é assim”, acrescentou, sem querer contar que passo tão grande era esse pretendido por Índio. “O que posso dizer é que ele tem o mesmo direito de todos e merece crescer na vida”. 

    Entre os garis, contudo, a presença de Índio do Manguzá serve como uma inspiração. Segundo Elço Pereira, 35 anos, chefe de divisão de limpeza urbana de Pedra de Fogo, ele continua fazendo o mesmo trabalho de antes, mesmo depois de se eleger. “É muito bom que ele tenha se elegido porque ainda existe muito preconceito em relação aos garis, mas isso está mudando. É uma vitória”, afirmou. “Ele realmente é uma pessoa do bem”, acrescentou o gari José Flávio, 24 anos, companheiro de Índio nas faxinas matinais.

     Para Índio, que enche os olhos de lágrimas ao contar sua trajetória, é mais fácil limpar as ruas do que mudar a política. “Mesmo assim, eu vou fazer a minha parte. Eu vou entrar para a história política desse país como varredor de rua, como primário… Eu me orgulho porque respeito o ser humano. Isso não tem preço. Com ou sem paletó, a roupa não importa ”, prometeu.



 (Blenda Souto Maior)


Do: Pernambuco.com.