terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Liberdade para Itamaracá.


Foto: Ricardo Braga

 A primeira ideia que tive de Itamaracá foi de uma ilha onde viviam homens condenados à prisão, mas que trabalhavam na terra de dia e eram só recolhidos à noite. Que geralmente as suas famílias terminavam morando por lá, para ficar mais perto do pai, do marido ou do irmão. 

 Ao visitá-la pela primeira vez, o que logo avistei ao cruzar a ponte foi justamente o muro do presídio, confirmando o meu entendimento de criança. Mas confesso que isso não me assustava porque entendia que a presença da família dava aos presidiários o contorno de pessoas mansas, suficientemente em paz consigo próprio para deixarem de ser criminosos.

 Naquela imensidão de ilha verde cercada de azul, o que via eram detentos vivendo como gente “normal”, como peladeiros jogando futebol de chuteiras e camisas com padrão do time, artesãos vendendo suas obras na estrada e camponeses trabalhando na terra. Depois disso, o mar, banhistas vindos de fora e um forte abandonado.

 Logo voltei à ilha como escoteiro, já com 12 anos, em um grupo onde eu era o mais novo. De Recife fomos pedalando, antes dormindo no campo de futebol do Colégio São Luís e partindo de madrugada, sob os cuidados de nossos professores. 

 Como ainda não possuía bicicleta, tomei emprestado do meu tio uma inglesa preta, estranhamente de aro 28, quando o normal para adultos é 26. Por isso mesmo não conseguia sentar na sela, movendo o corpo para cima e para baixo, acompanhando o ciclo dos pedais.

 Ao atravessar a ponte do Canal de Santa Cruz, um ônibus me ultrapassou e restou-me apenas um estreito corredor, junto à mureta baixa. Vi ali o risco da morte: lá embaixo a água larga da maré cheia e, à minha esquerda, as grandes rodas do veículo em movimento. Mas não caí e estou vivo.

  Passado o susto, pedalei já cansado e espantado, até encontrar estradas mais estreitas, na época ainda de areia. Naquele sol quente da manhã, avistei um cavalo com duas cangalhas carregando macaxeira.

  Agora na luta dos pneus com a areia e na dúvida sobre que rumo tomar, terminei trombando na cabeça do animal, arriando aos seus pés. De cima do bicho parado e impassível, sentado e com o chicotinho na mão, o homem só disse: Êêpa!

 Já no Pilar, fui resgatado pelo pai de um colega que veraneava à beira mar. Que maravilha! Comi frutas e bebi água de coco com gosto de prêmio e mais tarde fui levado de jangada ao encontro dos demais, que já haviam armado barracas debaixo dos coqueiros do casarão dos Irmãos Marista, em Jaguaribe. 

 Recebido como herói, estranhamente, já que era o único a não vencer a batalha, fui escalado na noite seguinte para fazer o jantar, com mais alguns. Aprendi então que não é viável fritar de uma só vez 30 ovos em uma panela, mesmo adicionando sal e manteiga suficientes. 

 Tive então que servir uma gororoba quase líquida, melhor seria tomada como sopa. Compreensível, não se nasce sabendo e essas experiências são justamente para isso.

 Neste início de 2013 me reencontro em Pilar e Jaguaribe. Ainda estavam por lá vacas perambulantes, tangidas sem alvoroço por banhistas sossegados.  Mas agora vejo casas com grades e cadeados que antes não havia, onde moradores e veranistas se aprisionam prevenindo-se de assaltos.

  Das ruas e terraços os ruídos de som eletrônico agudizam com a chegada da população flutuante de veraneio, enquanto o planejamento urbano continua a ser feito com colher de pedreiro, a partir da vontade de cada um.

 Na areia da praia, banhistas parecem ignorar latas ao relento, embalagens de salgadinho, garrafas vazias, isopor esfarelado e sargaços. 

 Esses sempre existiram em arribada dos fundos rasos e arenosos, mas agora se enovelam em linhas de anzol esquecidas, por falta de peixe bom.

 Mas a ilha de Itamaracá é maior do que esses percalços. Suas matas, manguezal, história e praias só precisam de um novo olhar, de gestão com carinho e respeito.

*As colunas assinadas não refletem, necessariamente, a opinião do NE10

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