Chegada do verão expõe novos e velhos problemas da costa
pernambucana.
O mar azul e de águas quentes, a areia branca e os altos coqueiros não compõem sozinhos o cenário dos 187 km de extensão da costa pernambucana. A natureza privilegiada divide o palmo de terra com desordem urbana, lixo, obras inacabadas, estradas esburacadas, esgoto a céu aberto, falta d’água, insegurança e ausência de fiscalização. Ao longo dos últimos dias, visitamos as principais praias do Estado. O passeio rendeu uma certeza: os turistas e veranistas que procurarem esses destinos turísticos no verão encontrarão algo além do paraíso. Problemas que se repetem ano após ano e que dão as caras no abandonado Litoral Norte e no badalado Litoral Sul.
Menina dos olhos do governo, estimulado pelo Complexo Industrial Portuário de Suape e palco do pedágio do Paiva, acesso irretocável ao eldorado litorâneo que abriga supercasas e câmeras de segurança, o Litoral Sul está longe de ser só flores.
Enquanto a nova rota, com uma ponte de 320 metros e uma via de 6,2 km, é capaz de reduzir o trajeto a Suape e arredores em até 17 km, a PE-60 é caminho certo de dor de cabeça. Quase sempre engarrafada, com longos congestionamentos nos horários de pico e em finais de semana e feriados, a estrada sofre com os buracos.
As praias do Cabo de Santo Agostinho são o primeiro ponto de parada. E de transtornos. O turista mais desavisado pode se embaralhar na ida a Gaibu, uma vez que duas placas indicativas estavam tortas, impedindo a visão dos motoristas. A PE-28 é margeada por um canal com esgoto a céu aberto, sem nenhuma mureta de proteção. Veículos costumam cair no local, sobretudo ao tentar desviar das crateras na pista, que em alguns trechos vira barro puro. O comércio irregular invade as ruas e calçadas centrais.
Ao chegar à praia, a beleza do encontro das falésias com o mar de Gaibu contrasta com o descaso: orelhão quebrado, calçadas arrancadas, bancos destruídos e lixo espalhado. “É muito problema de infraestrutura e, para completar, não tem um banheiro público. O pessoal tem que ir nas pousadas ou fazer no mar mesmo”, diz o comerciante Valdir Reis, 64 anos. Na areia, uma multidão se amontoa ao redor do corpo de um rapaz de São Joaquim do Monte, no Agreste, que morrera afogado. Nenhum bombeiro foi visto.
Em Enseada dos Corais, as vias são precárias. Mesmo na estação mais quente do ano, as chuvas escassas são capazes de produzir estrago. Poças gigantes de lama tomam as ruas de barro, ilhando casas, fechando passagens e sendo foco de doenças.
Itapuama é lixo por toda parte. Nem mesmo a presença de reservatórios de coleta seletiva dá jeito na falta de educação dos banhistas. A favelização é crescente lá e em outras praias do Litoral Sul. “Está cheio de invasão aqui. E também falta saneamento”, reclama o bodyboarder Helmiton Paiva, 31. Um canal jorra água poluída no mar, e motoristas estacionam seus carros nas calçadas.
O que mais preocupa nas praias do Cabo, no entanto, é a violência. O crescimento desordenado e a demanda proveniente dos quase 50 mil trabalhadores envolvidos em Suape fizeram a insegurança emergir. “Outro dia, eu estava caminhando às 5h e levaram meu relógio e telefone celular. Soube depois que o mesmo grupo tinha feito um arrastão numa pousada”, conta o microempresário Nicodemos Silva, 44, morador de Gaibu. Os roubos a casas de veraneio são comuns. Algumas vezes, até com reféns.
Reputada como principal praia do Estado, Porto de Galinhas, em Ipojuca, encanta e convida pelas piscinas naturais com águas cristalinas e diversificada rede hoteleira. Mas os problemas são muitos. Porto parece estar eternamente em obras. Há sempre ruas interditadas, entulhos e desvios pela vila, o que complica a vida dos turistas.
A Rua Recanto, com muito barro e paralelepípedos arrancados, está quase intransitável. Na via que vai dar na Praça do Relógio, uma placa avisa: “Desculpem-nos os transtornos. Estamos em obras”. Poucos metros adiante, outro cartaz: “Proibido jogar lixo”. A sujeira acumulada dava o tom do desrespeito.
Os problemas persistem na beira-mar e na faixa de areia. Os banheiros públicos situados perto do antigo posto médico se encontram em estado deplorável. A grade, enferrujada e solta, está amarrada por um pedaço de saco plástico e ameaça cair. Uma das portas de madeira está carcomida quase pela metade, oferecendo privacidade zero. Além disso, falta água nas torneiras e na descarga. Funcionários precisam ficar de plantão com baldes para evitar o mau cheiro. “É o paraíso, a praia mais linda do Brasil, mas a infraestrutura ainda deixa a desejar”, afirma o vendedor Severino Dias, 52.
Defronte dali, uma placa de atenção está arrancada. Bem perto, jovens jogam futebol na areia, ignorando outra placa que proíbe a prática de esportes. A poluição sonora, com o vaivém de carrinhos vendendo CDs piratas, é problema constante.
Maracaípe vivencia a proliferação de favelas. Os casebres formaram uma extensa comunidade com ruas estreitas de barro, sem acesso ao mar, e com alguns barracos invadindo até áreas de manguezal. A estrada para o pontal foi destruída por conta do avanço do mar, obrigando os veículos a estacionar no meio do caminho, alguns em área proibida, numa rota repleta de lixo e entulhos.
ABANDONO - No Litoral Norte, o abandono toma banho de mar. Sem o mesmo marketing e incentivo das praias do Litoral Sul, a beleza natural de Itamaracá e municípios da região convive com uma série de problemas. Em Jaguaribe, o maior dos absurdos: a faixa de areia está repleta de invasões. De estabelecimentos comerciais a barracos de veraneio, sob a passividade do poder público.
A favelização da beira-mar revolta os moradores. Hoje, a janela já não oferta mais a visão privilegiada de anos atrás. Os casebres, uns de madeira, outros de alvenaria, são obstáculos que crescem a cada dia. “Isso é tudo irregular. É a favela de Itamaracá. E nem tudo é casa de pescador, viu? Muitas dessas invasões são casas de veraneio, que passam de mão em mão. Jaguaribe está uma nojeira”, esbravejou um morador.
A reportagem flagrou carros de luxo e motos circulando pela areia sem qualquer fiscalização. Cavalos são tangidos no local. Estacionamentos obstruídos, bancos quebrados e um calçadão com as pedras portuguesas dilaceradas completam o cenário. “Itamaracá é uma praia esquecida. Tem muita coisa para melhorar, mas o governo só investe no Litoral Sul”, critica a comerciante Rosa Soledade, 52 anos, que também se queixa dos assaltos, sobretudo à noite.
O Pilar também convive com a ocupação desordenada. O esgoto a céu aberto é lançado no mar onde crianças se banham indiscriminadamente. “Isso está assim faz muito tempo. Ninguém resolve”, diz o pedreiro Sinésio Manoel do Nascimento, 63. O homem conta que, quando escurece, o tráfico e o consumo de drogas correm soltos. Terrenos baldios viram depósitos de lixo. O Forte Orange reabriu as portas em novembro do ano passado e deu mais vida à Praia do Forte, a mais ordenada de Itamaracá. Os repentistas Boca do Norte e Geraldo João, contudo, lamentam a falta de turistas.
Do: JC Online.
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